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Ninguém a preparou para o que a esperava, tantos anos de solidão e uma vida em permanente espera por algo que jamais chegaria. Tantos anos agora passados, ela nem sabe para quê ou quem viveu essa vida angustiosa e estafante que foi a sua.
Diziam que ele chegaria, que a amava, que a queria e em breve a faria sua. Era mentira. Ele, lá longe, a mulher e os filhos, o lar que fundou. Ela, a eterna namorada, neste país triste em que cantar é uma afronta, permanece virgem e intocável à sua espera.
Mas ele jamais virá. E se vier, ela saberá que será por pouco tempo, apenas o necessário para lhe dizer que não devia ter esperado por ele quando ele emigrou, que devia ter ido com ele quando ele lhe pediu, contrariando a vontade dos pais em deixá-la partir.
Não os contrariou, não partiu com ele, morreu por esses dias, quando o avião que o levava para longe dela levantou voo, o aeroporto que ela nunca viu cheio de amigos que se despediam. Ele partiu, esqueceu-a, arranjou novo amor. Ela sabe, alguém lhe contou, que não havia passado um ano e ele já estava casado. Esqueceu-a assim depressa, tanto amor que lhe jurava.
Os pais não a deixaram sair, arranjar namorado. Ele vai chegar, diziam, és a namorada e tens de o respeitar, não pode haver vergonhas na família. Que vergonhas? A vergonha de ser passiva em relação aos pais, essa obediência que a oprimiu toda a vida, a falta de carácter que sempre achou que tinha. Perdeu tudo por obediência, agora estava só, sem marido, filhos, amigas, sem os pais.
Foi triste a vida toda. Quando ria era de dor, quando sorria era para disfarçar a tristeza que lhe preenchia o coração. Felicidade, o que era isso? As moças da sua idade foram casando, criando filhos, e ela sem ninguém, os pais não permitiam confianças com os moços que lhe sorriam ao sair da igreja, aos domingos.
Até mesmo quando o senhor Serafim, ao ficar viúvo e com cinco filhos para acabar de criar, a pediu em casamento, já ela estava bem passada dos trintas, os pais não permitiram e nem deixaram mais que ela fosse à sua mercearia.
Estragaram-lhe a vida, com a desculpa de não quererem vergonhas na família. Vergonhas que ela não se importava de ter cometido, fossem quais fossem, só para ter agora algumas recordações a que se agarrar nas noites solitárias de inverno.
Vive só, a idade não perdoa e todos já partiram. Só ele ainda não regressou. Naquela casa triste, onde toda a gente que lá viveu já há muito morreu, ela aquece uma malguinha de sopa antes de ir dormir, para aconchegar o estômago. O corpo deita-se entre os lençóis frios, não há um abraço que a conforte do frio da madrugada.
Mas ele vai chegar, garantiram-lhe os pais. Finge acreditar e adormece.
Felipa Monteverde