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Engoliu à pressa o café, a chávena escaldando os dedos. Queimou a língua mas não se importou, lá fora a primavera despertava e ele queria assistir ao nascimento da primeira flor. Ver o sol, depois de semanas ininterruptas de chuva, era como renascer. Sentia as forças aumentarem, a alegria a instalar-se.
Bebeu à pressa o seu café e ficou aguardando, a menina Eugénia viria logo para lhe empurrar a cadeira até ao jardim. Deixá-lo-ia lá, uma manta sobre os joelhos, até que a chamasse. Mas hoje não chamaria, as saudades que sentia do sol não se matariam com uma hora ou duas de exposição. Precisava de o sentir na pele, de o deixar abrasá-lo com o seu calor. Viesse a menina Eugénia buscá-lo apenas para o almoço, até lá queria absorver tudo o que pudesse do astro amigo.
Ficou horas no jardim. Com o olhar de quem se habituou desde muito cedo a reparar nos mais ínfimos pormenores das coisas, ele via todas as plantinhas que despontavam no jardim, todas as flores cujo botão já assomava. E desenhava.
Nos seus desenhos havia sempre flores, havia sempre uma nova planta ou flor para mostrar ao mundo. Ao mundo ou à menina Eugénia, que era quem dependurava todos esses desenhos nas paredes do seu quarto. E até no corredor, quando todas as paredes do quarto que era o seu mundo não chegavam.
Felipa Monteverde